Autor: Sergio Araújo, advogado com mais de 40 anos de experiência, sócio do Lima & Araujo Advogados.
A Portaria MTE 3714/23, publicada em 23 de novembro de 2023, representa um marco significativo no cenário do direito laboral brasileiro ao regulamentar o Decreto nº 11.795, de igual data, que versa sobre a igualdade remuneratória entre gêneros.
Esta legislação é emblemática por promover a equiparação salarial e os critérios de remuneração entre homens e mulheres no ambiente laboral, preenchendo lacunas anteriores que careciam de mecanismos eficazes de controle.
Anteriormente, a legislação já proibia a discriminação salarial entre os gêneros, porém, não havia instrumentos concretos para assegurar a fiscalização. A Portaria MTE 3714/23 estabelece tais instrumentos, exigindo que empresas com 100 ou mais colaboradores elaborem um Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, detalhando a remuneração de todos os colaboradores por gênero, cargo e função. Este relatório deve ser acessível aos colaboradores e às entidades sindicais representativas.
Adicionalmente, a portaria confere ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a autoridade para fiscalizar o cumprimento da norma, podendo impor sanções às empresas em caso de descumprimento.
O impacto desta portaria na dinâmica laboral é substancial, representando um avanço crucial na luta contra a discriminação salarial, dificultando a ocultação de práticas discriminatórias por parte das empresas.
O Relatório de Transparência Salarial é uma ferramenta poderosa para fomentar a transparência e a equidade salarial. Ao tornar públicas as informações salariais, permite aos colaboradores compararem seus vencimentos com os de seus colegas, identificando potenciais casos de discriminação.
Além disso, a portaria fortalece a atuação sindical ao disponibilizar esse relatório às entidades representativas dos trabalhadores, permitindo-lhes acompanhar o cumprimento da lei e tomar medidas contra a discriminação salarial.
Em suma, a Portaria MTE 3714/23 representa um avanço notável na busca pela igualdade de gênero no ambiente de trabalho. Sua aplicação tem o potencial de promover transparência salarial e responsabilizar empresas que desrespeitam a legislação, contribuindo para a redução da discriminação salarial.
Impacto na Prática
A implementação da Portaria MTE 3714/23 acarretará diversas mudanças práticas na dinâmica laboral atual.
Em primeiro lugar, a norma aumentará a conscientização sobre a discriminação salarial. Ao divulgar informações salariais, o relatório de transparência empoderará os colaboradores, proporcionando conhecimento sobre seus direitos e habilidades para identificar possíveis discriminações.
Em segundo lugar, a norma intensificará a fiscalização do cumprimento da legislação. O MTE terá mais recursos para identificar e punir empresas que não observarem a lei.
Em terceiro lugar, a norma contribuirá para a redução da discriminação salarial ao tornar mais difícil a ocultação de práticas discriminatórias, aumentando a pressão sobre as empresas para a conformidade legal.
A Portaria MTE 3714/23 é uma legislação de relevância, capaz de impulsionar a igualdade de gênero no mercado de trabalho e gerar mudanças substanciais na dinâmica laboral, contribuindo para a mitigação da discriminação salarial.
Nem tudo são flores
Embora significativos, o Decreto 11.795 e consequentemente Portaria MTE 3714/23 apresentam limitações: suas abrangências não se estendem às empresas com menos de 100 colaboradores. Consequentemente, tais empresas não têm a obrigação de elaborar o relatório de transparência salarial nem de disponibilizar dados referentes à remuneração de seus colaboradores.
Essa lacuna normativa pode originar disparidades entre os colaboradores de empresas de distintos portes. As organizações com menos de 100 colaboradores, isentas da elaboração do relatório, terão maior facilidade em ocultar práticas discriminatórias.
Para mitigar essa brecha, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) pode promover ações de conscientização sobre a igualdade salarial. Além disso, pode incentivar acordos coletivos entre empresas e sindicatos, visando assegurar a transparência e a equidade salarial, mesmo nas organizações com menor número de colaboradores.
Outra possibilidade seria o Congresso Nacional aprovar uma legislação ampliando o alcance do Decreto 11795/23, incluindo as empresas com menos de 100 colaboradores na obrigatoriedade de elaborar o relatório de transparência salarial ou buscar uma nova solução para proteção destes colaboradores.
Enquanto medidas como essas não são implementadas, é fundamental que os colaboradores das empresas com menos de 100 colaboradores estejam cientes de seus direitos e capacitados para identificar possíveis casos de discriminação salarial. Caso suspeitem de qualquer discriminação, podem buscar apoio junto ao seu advogado de confiança, sindicato de sua categoria ou contatar o MTE.